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sábado, 23 de novembro de 2013

Há uma década, o menino gaúcho Iruan Ergui Wu virou notícia internacional ao ser disputado pelos dois ramos de sua família, separados pelo idioma, pela cultura e por uma distância de 19 mil quilômetros. Depois de pressões diplomáticas, batalhas judiciais e mobilizações populares, foi arrancado da casa dos parentes do pai, em Taiwan, para viver com os parentes da mãe, no Rio Grande do Sul.

No final, não ficou nem com uns, nem com outros. Aos 18 anos, Iruan vive com uma terceira família. A que ele próprio escolheu.

Em duas tardes da semana passada, o jovem recebeu Zero Hora no sobrado onde mora com o pai, a mãe e quatro dos oito irmãos adotivos, em Canoas, e ofereceu um relato inédito de sua acidentada trajetória ? um percurso repleto de situações dolorosas, como a perda precoce dos pais biológicos, as trocas de família, os laços rompidos e um mergulho pré-adolescente no álcool e nas drogas.

Pela primeira vez, uma história que mobilizou dois países e gerou infindáveis manchetes, no começo da década passada, é contada pelo ponto de vista da pessoa mais importante, o seu protagonista. O próprio Iruan. Trata-se de um relato espantoso.

Iruan perdeu a mãe, a gaúcha Marisa Ergui Tavares, quando tinha três anos de idade, em 1998. Foi viver com a avó, Rosa Leocádia, em Canoas. Quando o menino estava com cinco anos, seu pai, o marinheiro chinês Teng-Shu Wu, levou-o a Taiwan para conhecer parentes. Morreu na mesma semana. Iruan passou a morar com um irmão de seu pai. Começou ali a batalha entre os Wu e Rosa Leocádia pela custódia do menino.

Iruan revela que não tinha uma noção clara do que se passava. Ele viveu no Oriente dos cinco aos oito anos e via os tios e primos taiwaneses como a sua verdadeira família. Mal lembrava da avó brasileira e não entendia por que queriam tirá-lo de casa para viver do outro lado do mundo.

- Eu tinha medo e chorava constantemente - recorda.

O pior momento

Retirado à força de casa pela polícia para ser trazido ao Brasil - imagens que escandalizaram o mundo -, Iruan nunca mais teria contato com os parentes taiwaneses. Aos oito anos de idade, enfrentou a saudade, a necessidade de se adaptar a uma família que ainda não reconhecia como sua e o desafio de aprender uma língua diferente, o português.

Três anos depois de seu retorno, viveu o pior momento. Passava os dias e parte das noites na rua, com uma turma mais velha. Bebia. Usava drogas. Promovia arruaças. Não aparecia na escola. Acabou reprovado três vezes.

A recuperação foi tormentosa. Em vez de ficar com a avó, Iruan sentia-se mais à vontade na casa da diretora da sua antiga pré-escola, Etna Borkert, uma das pessoas envolvidas na campanha pelo seu retorno ao Brasil. Começou a visitá-la e a passar noites lá com frequência cada vez maior. Um dia, quando seu caso já assombrava o Juizado da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar, disse ao juiz: "Quero ficar com a diretora".

- Ele estava perdido. Se meteu com álcool, com drogas. O juiz me chamou, achou muito estranho, muito interessante, mas aceitou, porque era uma escolha do Iruan - conta Etna, 62 anos.

A diretora e seu marido, Arno, tinham quatro filhos biológicos e quatro adotivos, todos acolhidos em momentos de vulnerabilidade. Iruan tornou-se o caçula. Os primeiros anos foram dramáticos. O adolescente continuava apegado à vida desregrada. Etna tinha de esconder as chaves da casa para que não fugisse. Muitas vezes teve de percorrer as vilas de Canoas à procura do filho adotivo.

Nova família

Essa história chegou a termo feliz. Na nova família, Iruan tornou-se um jovem caseiro e tranquilo, que frequenta o primeiro ano do Ensino Médio, trabalha na livraria de sua antiga escola, estuda inglês e mandarim, pratica esportes e faz parte do grupo de teatro do colégio, como ator.

- Acho que Deus fez tudo certo. Hoje o Iruan é feliz e pode ser um testemunho e uma referência para muitos adolescentes e jovens - comemora Etna.

Desde o retorno ao Brasil, Iruan recebe duas vezes por ano a visita de um diplomata taiwanês. O funcionário passa uma tarde com a família em Canoas, certifica-se de que está tudo bem, recolhe fotos e pergunta se o rapaz gostaria de voltar. Nas últimas vezes, Iruan respondeu que sim.

Cada vez mais, sente-se impelido a buscar informações sobre seu outro país e as pessoas que lá deixou. Pediu ao diplomata ajuda para contatá-los.

- Quero voltar a Taiwan - revela.
Zh

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